Paixão é um sentimento intenso, entusiasmo desenfreado, arrebatamento que nos move em direção a algo ou alguém. E toda paixão implica neutralizar as diferenças. A paixão pelo amor pretende a fusão com o amado: tornam-se um. A paixão pelo ódio intenciona o apagamento do que ou quem se odeia, assim como a paixão pela ignorância busca aplacar o conhecido ou mesmo a "mera possibilidade" de sua existência. Neste momento vamos nos dedicar à paixão pela ignorância. Mais do que o não saber, que não é o objeto desta reflexão, vamos abordar a opção deliberada pelo não querer saber.
A ignorância impõe a condição da alienação e sua manutenção revela, na verdade, a ânsia desesperada de não querer saber de nós mesmos, do que nos move, dos nossos querer e dos nossos desejos. Renunciamos a tudo para que não tenhamos de nos implicar conosco e com os outros. Deixar na mão de outros e que alguém diga e faça por nós mesmos é um bálsamo, seguir nosso próprio desejo dá trabalho, dói e tem consequências. Saber quem somos e o que desejamos é coisa para os fortes. Isso implica em angústia, superação e responsabilidade. Melhor não saber? Depende. O pensamento de hoje é um convite à renúncia de pensar, de não saber nada, à ignorância, ao obscurantismo; saber implica em confrontar as diferenças, as incoerências e contrastes acerca do que somos o do que queremos. Parece melhor sermos ignorantes...
O psicanalista Claudio Mantoto saiu-se bem com esta tirada: "Deus me converta em um protozoário para eu não ter de pensar"!
O não saber impõe uma condição de existência vaga, errante, flutuante, não em sentido de leveza o que seria ótimo, mas na incapacidade de deixar marcas, deixar rastros de percurso, dos nossos afetos e dos nossos projetos. A paixão pela ignorância fere e aniquila o sentido da vida, que sempre e antes de tudo é o conhecimento: de sí, do que nos cerca, e principalmente do outro, daquele a quem possamos chamar de "semelhante".
Eu quero mais é saber, viva a lucidez!
Artigo original de Clotilde PEREZ, (cloperez@terra.com.br), publicado na revista Casa e Jardim 138. Republico por pensar "semelhante"...
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